Austeridade ou Intervencionismo

Caio Do Carmo
4 min readJul 15, 2019

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Como os governos reagem a recessões? Em crises muito agudas, a queda de receita é tamanha que, para não se endividar, é preciso elevar impostos para honrar gastos obrigatórios. O aumento de tributos dificulta, em contrapartida, a retomada da atividade econômica, muito dependente do consumo das famílias.

Alguns governos optam, deliberadamente, por se endividar. Confiam na dívida como um estímulo ao crescimento. Mantendo-se os juros baixos, os benefícios de uma economia aquecida (baixo desemprego) superam os encargos para rolar a dívida. Alguns economistas defendem ainda que esse mecanismo de rolagem pode funcionar ad eternum, quer dizer, paga-se os juros com novas emissões, de modo que jamais chegará o dia em que a dívida será totalmente quitada. Isso só pode funcionar com juros muito baixos.

Déficits fiscais contínuos, resultantes de gastos superiores às receitas (às vezes muito superiores) pressionam a taxa de juros para cima, porque os credores ficam reticentes de emprestar. Se o governo não der mostras de que pretende conter o rombo fiscal, o crédito fica ainda mais caro. Uma conseqüência direta dos juros altos é a atração do capital externo (evita-se também a fuga de capital nacional). Com mais dólar circulando no mercado interno, a divisa local se fortalece, o que favorece as importações e prejudica as exportações, podendo gerar um possível déficit na balança comercial.

É óbvio que o câmbio oposto (real fraco contra o dólar) gera o efeito reverso — bom para as exportações, superávit comercial. O problema de se taxar de forma indiscriminada os produtos importados — reivindicação corriqueira do setor exportador — é ceder aos grandes produtores nacionais controle demasiado do mercado em que atuam, lesando os consumidores no preço, que não enfrenta concorrência.

O mercado mais aberto, com taxas recíprocas, costuma beneficiar os consumidores. A questão é quando um governo, em nome da sociedade, visa incentivar determinado setor — algo perfeitamente legítimo. Um país pode, num dado momento, decidir agregar valor as suas exportações. Vai precisar de investimento doméstico. São em situações assim que o endividamento se torna não só aceitável, como necessário.

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A receita liberal contra toda recessão é a austeridade: redução de impostos, corte de gastos e arrochos salariais. A queda do poder de compra alivia, por sua vez, a pressão inflacionária. Mas, se a queda for bruta demais, pode provocar a falência do comércio mais envolvido com o varejo. Nessas horas, o Estado é muitas vezes convocado a intervir.

Aqui há alguns problemas. Primeiro: o Estado é igualmente afetado pela recessão. É provável que não tenha recursos de sobra para investir. Ao contrário, ele roga para que as empresas invistam no seu lugar, na confiança de que o investimento privado basta para a economia entrar no eixo e com isso recuperar sua capacidade de arrecadação.

Porém, quando o Estado se abstém de investir — ou quando deixa essa função só a cargo da iniciativa privada — segmentos que dele dependem — por exemplo, o habitacional — correm o risco de quebrar. A construção civil gira em torno de contratos públicos. Ninguém constrói mais que o Estado.

Ademais, é questionável a premissa de que a poupança gerada pela redução de impostos reverta-se em investimento produtivo. É bem provável que os contribuintes mais beneficiados utilizem-na para comprar títulos públicos, endividando a sociedade.

É verdade que é o Tesouro quem emite os títulos e ninguém é obrigado a emprestar para o governo. Na verdade, é uma fração de poupadores da sociedade que se torna credora do governo. O problema é que não é o governo quem paga, é o restante da sociedade, na forma de contração dos investimentos sociais com reflexos negativos sobre os serviços públicos.

Como os ricos têm maior facilidade para poupar e os pobres dependem mais dos serviços estatais, me parece nítido quem se beneficia com a redução do Estado. Com menos recursos, ele precisa encolher suas atribuições, mas de uma delas nunca abre mão: a de emissor de títulos. Porque, apesar de ser um péssimo gestor, com certeza é um ótimo pagador. Claro: não é ele quem paga!

Ademais, o mercado de títulos públicos não altera a demanda por bens e serviços, que é o que gera emprego. Pergunto-me ainda como ficaria a situação de estados e municípios, responsáveis pelos serviços básicos de saúde e educação, frente uma queda abrupta de arrecadação. Como essa conta vai fechar? O dinheiro que os governos deixam de arrecadar não vão parar milagrosamente no bolso da massa populacional. Qual a relação entre queda tributária e redistribuição de renda? Que eu conheça, nenhuma. Ao contrário: estou inclinado a crer que se reduzem os impostos, aumenta-se a concentração.

Cada centavo de gasto público precisa gerar algum ganho social. Quantas isenções fiscais foram concedidas no Brasil sem que se observasse o real impacto no emprego? A ajuda a setores específicos deveria ser restrita e condicionada ao investimento produtivo. Se não cabe ao Estado protagonizar, tampouco deve caber a empresas subsidiadas que nada devolvem à sociedade.

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